29 de abril de 2016

O dinheiro dos contribuintes e a gratuitidade dos manuais escolares, no 1º ciclo do ensino básico

Mudámos de governo; mudámos de ministros. Temos um novo ministro da educação que tem tomado algumas decisões polémicas. Com umas concordo, com outras não mas, acima de tudo, acho que este ministro e este governo estão a tentar fazer melhor do que os anteriores, apesar das críticas que lhes são feitas por “pensadores” que se manifestam extraordinariamente preocupados com o meu dinheiro, melhor dizendo, com o nosso dinheiro, o dos contribuintes que, dizem, pretendem proteger.

Vem esta reflexão a propósito de uma decisão do actual governo: a partir do próximo ano lectivo os manuais escolares do 1º ciclo do ensino básico serão fornecidos, gratuitamente, aos alunos. Mal esta decisão veio a lume, muitos foram os que se pronunciaram contra por razões diversas pontuando, entre elas, o facto de, nessas circunstâncias, eu, os que me estão a ler, todos os contribuintes estarem a pagar aqueles livros porque “a verdade é que não há almoços grátis”. E isso ainda é mais grave porque, registam, é uma medida a aplicar a todos os meninos e meninas e não, apenas, àqueles mais desfavorecidos pelo que, desse modo, estaremos também a pagar os manuais daqueles cujos pais gastam mais em whisky do que eu ganho num ano.

Em meu nome, em nome dos que me lêem, em nome dos contribuintes, estes portugueses preocupados com o nosso dinheiro vêm lembrar que há sempre alguém que paga aquilo que é gratuito, no caso, os manuais escolares. E insurgem-se contra este governo, contra o ministro, contra a medida anunciada. Simultaneamente, manipulam a opinião pública conseguindo, com umas tiradas populistas sobre a equidade, a democracia, os direitos individuais, a piscar o olho para os portugueses do estilo “vejam o que estes malandros nos estão a fazer”, convencer uns e outros e transformar uma boa medida num erro crasso.

Discordo completamente com os argumentos que apresentam e com esses indivíduos. Na verdade, há funções e serviços que são da competência específica dos governos e que a nossa Constituição da República garante. Um deles, o direito à educação que deve ser fornecida de forma tendencialmente gratuita, pelo que questionar essa gratuitidade na escolaridade obrigatória, isto é, desde o pré-escolar ao 12º ano não tem qualquer fundamento.

E, gratuitidade não deve/não pode dizer respeito, apenas, às questões administrativas. Não é por se não pagarem propinas no ensino básico, ou no secundário ou no superior, que a educação é gratuita. Pensar assim é ter uma visão redutora do que são os custos de educação para o país e para as famílias. Viver a educação exige mais do que não pagar para andar na escola. Exige manuais escolares, cadernos, lápis, canetas, borrachas, réguas, compassos, transferidores, despesas de saúde, de alimentação, de deslocação, de alojamento, tantas coisas mais se tornaria enfadonho tudo enumerar.

Assim, uma educação gratuita, que é um direito de todos, não se reduz à gratuitidade dos manuais escolares, vai bem para além disso. Que o governo venha a distribuir, gratuitamente, os manuais escolares aos estudantes do 1º ciclo não é mais do que uma gota de água num oceano de despesas que as famílias são forçadas a fazer.

Um dos problemas que os detractores de tal medida assinalam é o facto de sermos nós todos, os contribuintes, que pagamos aqueles manuais através dos nossos impostos. Ora, porquê discordar de tal medida dado que, todos o sabemos, os nossos impostos são colectados para o estado cumprir, entre outras, as suas funções sociais de entre as quais saliento o direito à educação, o direito à saúde e, acrescento, o direito a uma vida digna.

De facto, desde há muitos anos que aprendi que os impostos servem para o estado cumprir as suas obrigações, nomeadamente de natureza social. A Democracia torna esta obrigação mais clara, mais extensa, mais necessária, mais urgente, mais forte, pelo que a iniciativa entretanto anunciada ainda assim, fica muito aquém do que deve ser feito se quisermos um país mais instruído, mais educado, mais justo, mais equitativo.

E, se é verdade que os críticos desta intenção do governo também se referem à injustiça subjacente a uma medida em que todos estamos a financiar todos, mesmo aqueles que não apresentam problemas financeiros, também é verdade que este argumento para além de populista é falacioso, perigoso, divisor, provocador, de má-fé.

De facto, se todos somos iguais perante a lei, detentores dos mesmos direitos e deveres, por que razão se deverá tratar de forma diferente os indivíduos relativamente ao usufruto de um mesmo direito? Uns, têm direito a uma educação gratuita e, outros não? Onde está a igualdade entre todos? E é por se negar a uns o usufruto dos seus direitos que os outros os usufruem em melhor qualidade e que a sociedade se torna mais justa e democrática? Convenhamos que quando se critica a gratuitidade dos manuais escolares em virtude da sua universalidade se está a atingir a Democracia naquilo que tem de mais sagrado: direitos iguais para todos e, portanto, igualmente usufruídos

Pena é que estes defensores do meu dinheiro, do nosso dinheiro, que querem manter e perpetuar a ditadura do pensamento único e a visão ultraliberal das relações humanas, promovida por governos anteriores e por uma União Europeia que se esqueceu da natureza eminentemente social do Projecto Europeu, pena é, dizia eu, que estes meus “amigos” nada digam sobre o meu dinheiro, o nosso dinheiro, que é entregue a escolas privadas que não são necessárias porque há oferta pública suficiente e de qualidade, ou que fomenta o cheque-ensino, reproduzindo e criando desigualdades entre as jovens e os cidadãos num verdadeiro atentado à Democracia, em nome de uma pretensa “liberdade de escolha”. Liberdade para quem? Para eles e os seus filhos, certamente; mas não para os menos favorecidos pela sorte e pela riqueza.

O governo anunciou a gratuitidade dos manuais escolares. Venha ela. E venham outras medidas semelhantes mas tendo sempre presente que não são mais do que remendos que não resolvem os problemas da desigualdade e injustiça que grassam no país, apenas minimizam os seus efeitos. Tendo presente que mudar um país, mudar a educação, não se faz através de medidas avulsas que respondem a questões imediatas mas através de um sistema concertado de medidas de política que têm um único objectivo em mente: Democratizar. E, para isso, também todos sabemos que, se queremos, realmente, contribuir para uma sociedade mais justa e democrática, o que temos é que exigir um outro sistema fiscal que resolva o problema da injustiça social e financeira que conhecemos, que reconfigure a forma de repartição dos rendimentos, que garanta, a todos, uma vida digna. Nenhum sistema fiscal injusto promove uma sociedade justa. É aí que se deve lutar. É aí que os críticos da distribuição gratuita dos manuais escolares, ao lado dos contribuintes que, dizem, pretendem defender, devem estar e usar os seus argumentos e os meios de comunicação de que dispõem para chegar a todos nós e contribuir para mudanças estruturais promotoras de uma vida digna para todos.

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