17 de abril de 2018

“Mulheres, educação e ciência: uma vida cheia de encontros e desencontros”



Por iniciativa da Associação Portuguesa de Estudos sobre as Mulheres (APEM) e do Centro de Estudos das Migrações e das Relações Interculturais (CEMRI) da Universidade Aberta, realizou-se ontem nesta Universidade a Conferência “Género, educação e cidadania: conhecimento, ausências e (in)visibilidades”. A Conferência serviu também de oportunidade para o lançamento do nº 36 da Revista Ex Aequo da APEM.

Tendo recebido convite para intervirmos nessa realização, apresentámos uma comunicação subordinada ao título que demos a este post. Nela procurámos desenvolver as seguintes linhas de reflexão: a dualidade das mulheres portuguesas perante a educação e a formação; a necessidade de se utilizarem nos estudos de género as abordagens em ciclo de vida e multiplano; a indispensabilidade de se erradicarem de vez abordagens teóricas ultrapassadas; e as especificidades do caso português.

Relativamente ao primeiro daqueles aspectos, pretendemos sublinhar o facto, por vezes ignorado, de a par das mulheres com grande peso nos níveis mais elevados de qualificação existir também, entre a população adulta, um número muito significativo de mulheres com muito baixas, ou nenhumas, qualificações formais: segundo o estudo Igualdade de Género em Portugal (CIG 2018), “em cada 100 pessoas sem nenhum nível de escolaridade, cerca de 70 são mulheres”. De acordo com análise que tínhamos desenvolvido anteriormente, estas mulheres adultas com baixas ou nenhumas qualificações sofrem uma grande desvantagem, face aos homens, quando decidem voltar a estudar em adultas: deparam-se em maior percentagem do que aqueles com obstáculos de natureza pessoal (base de dados EUROSTAT), quando conseguem ultrapassá-los fazem sobretudo aprendizagens e formações de natureza não formal e informal, com benefícios cumulativos inferiores (Hampf e Woessmann 2017)[1], só superando os homens em participação em educação e formação quando estão desempregadas[2].

A persistência de modelos de divisão do trabalho com base no género que sobrecarregam as mulheres, a diversidade de actividades e compromissos a que estas têm de fazer face, ao longo da vida, nos diferentes planos onde têm de intervir e, ainda, a muito maior precariedade e rotatividade a que estão sujeitas no mercado de trabalho, são as principais razões que encontramos associadas à menor oportunidade de prosseguir ou retomar estudos, na idade adulta, por parte das mulheres. Esta multiplicidade de factores determina uma realidade bastante complexa que não consegue ser convenientemente descrita pelas abordagens teóricas tradicionais, de natureza linear e temporalmente seccionadas. A elas se contrapõem, com grande vantagem teórica e metodológica, as abordagens multiplano em ciclo de vida que urge conhecer, aprofundar e utilizar analiticamente.

Um outro aspecto sensível tem a ver com o facto de, ao contrário do defendido por aquelas teorias ultrapassadas, a educação não servir, só por si, como salvo-conduto para a erradicação das desigualdades de ganhos entre homens e mulheres: a análise do rendimento anual bruto de doutoradas e de doutorados a exercerem actividades de investigação em Portugal mostra bem a existência de tais desigualdades, sobretudo nas fases intermédias dos ciclos de vida de umas e de outros (Direcção Geral de Estatísticas da Educação e da Ciência, DGEEC 2015). As explicações tradicionais que pretendem atribuir aquela desigualdade de rendimentos à concentração/segregação ocupacional de género não têm valia no que respeita à situação portuguesa: informação recente disponibilizada pelo European Institute for Gender Equality (EIGE), que procede a uma análise rigorosa dos índices de segregação ocupacional e que importaria ser mais bem conhecida entre nós, mostra bem como tais índices são agora relativamente  reduzidos, em Portugal, quando comparados com a maioria da União Europeia.  



[1] Hampf, F. & Woessmann, L. (2017). Vocational vs. General Education and Employment over the Life Cycle: New Evidence from PIAAC.  CESifo Economic Studies, Volume 63, Issue 3, 1 September 2017, Pages 255–269,https://doi.org/10.1093/cesifo/ifx012 .

[2] Chagas Lopes, M. (2017). A educação e a formação para a população adulta numa abordagem de género: uma questão de responsabilidade social. In Conselho Nacional de Educação, Estado da Educação 2016.

23 de setembro de 2017

Educar para o Humanismo Solidário

Com este título foi publicado pela Congregação para a Educação Católica um documento que visa propor directrizes no sentido de uma educação para um humanismo solidário. Destinado especialmente às escolas e universidades católicas de todo o mundo, o texto merece a atenção de quem se preocupa com a finalidade da educação em geral, designadamente, como preparar as novas gerações para enfrentar os desafios do mundo globalizado que seja inclusivo, de diálogo, de solidariedade e de paz. 
 
Eis breves excertos.

O homem contemporâneo experimentou que o que acontece numa parte do mundo pode ter consequências noutras, e que ninguém pode, a priori, sentir-se seguro num mundo onde há sofrimento e miséria.
A educação será ineficaz e os seus esforços estéreis, se não se preocupar também por difundir um novo modelo relativo ao ser humano, à vida, à sociedade e à relação com a natureza. 
 
"Humanizar a educação” significa colocar a pessoa no centro da educação, num quadro de relações que compõem uma comunidade viva, interdependente, vinculada a um destino comum. É desta maneira que é caracterizado o humanismo solidário.

Uma educação humanizada não se limita a fornecer um serviço de formação, mas cuida dos seus resultados no quadro geral das capacidades pessoais, morais e sociais dos participantes no processo educativo; não pede simplesmente ao professor para ensinar e ao aluno para aprender, mas exorta cada um a viver, estudar e agir de acordo com as premissas do humanismo solidário; não prevê espaços de divisão e contraposição mas, pelo contrário, oferece lugares de encontro e debate para realizar projectos educativos válidos; trata-se de uma educação - ao mesmo tempo - sólida e aberta, que derruba os muros da exclusividade, promovendo a riqueza e a diversidade dos talentos individuais e expandindo o perímetro da própria sala de aula a cada âmbito da experiência social em que a educação pode gerar solidariedade, partilha, comunhão.

O texto na íntegra pode ler-se aqui.

12 de setembro de 2017

Ensinar a pensar bem para viver melhor

No começo de um novo ano escolar, não é supérfluo reflectir sobre a finalidade última da acção educativa e o papel primordial que cabe a educadores, professores, gestores e demais técnicos ao serviço da educação.

Não questiono a necessidade de bem cuidar das tarefas específicas nos vários e distintos domínios particulares do conhecimento, da organização e da gestão dos recursos, mas creio que vale a pena sublinhar quão importante é a tomada de consciência da finalidade última do projecto educativo de cada comunidade educativa e, consequentemente, a necessidade de o definir, pôr em prática e avaliar.

Numa leitura recente, deparei com um texto de Frédéric Lenoir (Le bonheur – un voyage philosophique, 2013) em que este autor dá destaque ao conceito de educação segundo Montaigne, considerando-o particularmente relevante para o tempo actual em que sobressai a preocupação excessiva com o acumular de informação e a respectiva métrica, em desfavor da educação para a vida boa.

Transcrevo as suas palavras:

O verdadeiro projecto educativo deveria consistir em ensinar a criança a desenvolver o seu juízo próprio. Porque a coisa mais essencial para levar uma vida boa, é saber discernir e julgar bem. A formação do juízo é indissociável do conhecimento de si: um educador deve ensinar a criança a fazer um juízo próprio sobre as coisas a partir de si própria, da sua sensibilidade e da sua própria experiência.

Isso não significa que se deva renunciar a transmitir-lhe valores essenciais à vida em comum, como a boa-fé, a honestidade, a fidelidade, o respeito do outro, a tolerância. Todavia, convém ajudar a criança a medir a importância destas virtudes a partir da sua percepção, da sua maneira de ver. 

Ensinando-a a conhecer-se e a observar o mundo com um espírito ao mesmo tempo aberto e crítico, ajudamo-la a formar um juízo pessoal que lhe permitirá fazer as escolhas de vida que convêm à sua natureza. 
 
Em suma: a educação deve ensinar a pensar bem para viver melhor.

20 de agosto de 2017

Filosofia e Género – Outras narrativas sobre a tradição ocidental

Este é o título de um livro que não é só para quem se interessa por Filosofia ou por Género ou por ambos. É um livro que ajuda a entender o modo como vivemos e a persistência das causas que, apesar das leis e do discurso, ainda impedem as pessoas e as sociedades de “ver” os homens e as mulheres com a mesma dignidade social. É um livro sobre a construção da supremacia masculina que identifica “ser humano” com “homem”, contra a razão e apesar dela. É um livro sobre o poder deste preconceito, ainda hoje crença quase universal, estruturante das sociedades e da sua organização, a atravessar geografias, classes sociais, religiões e identidades de homens e mulheres. E é um livro sobre a resistência da racionalidade, através de “outras narrativas” sempre presentes na história do pensamento ocidental, mas que Fernanda Henriques desoculta, sistematiza e liberta, em nome da honestidade intelectual, da justiça e do bem-estar presente e futuro de toda a humanidade.

Com efeito, ao demonstrar que o preconceito que socialmente continua a hierarquizar homens e mulheres, menorizando estas, se fundou no abafamento e na desconsideração de muitas vozes, algumas quase desconhecidas mas todas sempre racionais, à autora parece ser possível e legítimo oferecer a mulheres e homens uma visão do passado que se constitua como um novo ‘espaço de experiência’ teórica capaz de gerar novos ‘horizontes de expectativa’, ... que não seja puramente utópica e sim bem enraizada em todos os acontecimentos passados que um certo cânone tem bloqueado e impedido.

Ou seja, depois deste livro não é mais possível ao preconceito escudar-se na tradição, porque ficou demonstrado que ela não foi unívoca mas apenas dominante. Houve, desde cedo, detratores e detratoras e muitas vítimas que deixaram rasto, a constituir legado, poder e base para a educação e a formação das pessoas, dotando-as de uma consciência crítica, cidadã e democrática, capaz de desafiar com êxito a reprodução dos mitos nefastos que originaram o sofrimento e a perda de milhões de pessoas ao longo dos tempos no mundo inteiro, e de reconstruir as sociedades à luz do reconhecimento de que mulheres e homens são duas variantes do ser humano, livres e iguais em dignidade, direitos, deveres, oportunidades e resultados no desenvolvimento e na qualidade de vida.
 
Filosofia e Género – Outras narrativas sobre a tradição ocidental vem tornar claro que à base filosófica assimétrica que recusou às mulheres um estatuto social igual ao dos homens no espaço público e aos homens um estatuto social igual ao das mulheres no espaço privado, gerando conflitos, usurpações, desequilíbrios vários e violência sistémica entre pessoas e povos, é possível contrapor, com êxito, uma base filosófica que promova a igualdade substantiva entre mulheres e homens e que, por isso, crie condições efetivas para a justiça e para a paz.

Cf.. Fernanda Henriques (2016) - Filosofia e Género – Outras narrativas sobre a tradição ocidental. Edições Colibri, Lisboa.

Maria do Céu da Cunha Rêgo

8 de agosto de 2017

Educação da População Adulta: as mulheres e os homens

No Seminário "Educação e Formação para a População Adulta", realizado pelo Conselho Nacional de Educação (CNE) na Universidade de Coimbra em 29 de Maio último, apresentámos uma breve comunicação que tinha como objectivo demarcar os perfis de aprendizagem de homens e mulheres adultos em Portugal.

Após uma breve incursão pelo confronto entre as perspectivas funcionalista e humanista deste tipo de educação, centrámo-nos nesta segunda perspectiva dada a riqueza da sua contribuição para o reforço do ciclo virtuoso educação cidadã * democracia. E, a esta luz, tentámos delinear os perfis de aprendizagem de umas e de outros.

Sendo por demais conhecido o facto de as raparigas deterem entre nós melhor prestação escolar do que os rapazes - têm taxas de abandono muito inferiores, estudam em geral até mais tarde e, igualmente de modo geral, obtêm classificações mais elevadas - pudemos constatar que este padrão de género sofre, em Portugal, alterações significativas quando em idade adulta.
 
Com efeito, as estatísticas do EUROSTAT revelam-nos que de entre a população detentora do ensino básico, os homens dos 25 aos 64 anos prosseguem mais estudos do que as mulheres do mesmo escalão etário. Mas quando se consideram apenas as actividades de aprendizagem não formais prosseguidas pela população dos 25 aos 64 anos, constata-se que em 2016 cerca de 9,7% das mulheres contra 7,5% dos homens o faziam.

Não estaremos, então, em presença dos efeitos da múltipla jornada de trabalho das mulheres que as leva a defrontar-se com maiores dificuldades face a horários e tempos de aprendizagem mais estruturados, próprios da educação formal, procurando assim as aprendizagens não formais para prosseguir estudos?

O conhecido círculo viciosos da constituição de competências - qualificações mais elevadas procuram em maior percentagem qualificar-se ainda mais...- conhece o seu reverso em situações de desemprego tecnológico, também dito de inadequação: quanto mais tempo os trabalhadores e as trabalhadoras permanecerem desempregados/as e ausentes dos mercados de trabalho em virtude da inovação tecnológica, mais se desgastam as competências que previamente adquiriram, a não ser que se providencie formação específica e adequada a estas situações. Não é necessário sublinhar a importância de que este aspecto se reveste nos nossos dias; importa talvez relembrar, no entanto, que a percentagem de mulheres portuguesas desempregadas de longa duração, independentemente dos motivos, é cerca de 20% superior à dos homens em igualdade de circunstâncias (INE, Inquérito ao Emprego, 2016). Ora os Inquéritos à Educação e Formação de Adultos (INE, 2007 e 2011) mostram à evidência a superioridade da participação das mulheres naquelas circunstâncias, face aos homens, em actividades de aprendizagem ao longo da vida.

Deparamo-nos, assim, com uma notória dissemelhança dos comportamentos por sexo: se bem que em situação de emprego as mulheres adultas acedam menos a EFPA do que os homens, quando desempregadas inverte-se a tendência; por outro lado, e ao contrário dos homens, nesta situação perante o emprego as mulheres participam predominantemente em actividades de aprendizagem não formais, confirmando a tendência que constatámos inicialmente para o total da população residente.

Assim, parecem ser de importância decisiva na correcção desta importante diferença de género, entre outras medidas:
- uma boa articulação entre as tutelas do trabalho, da educação-formação e do ensino superior, a fim de que, face a uma coordenação de objectivos e metodologias, se promova uma visão integrada das clivagens que constatámos e, especialmente, das medidas destinadas à sua superação;
- o desenvolvimento e melhoria das medidas que promovem a articulação trabalho-família, bem como das que visam apoiar a dupla jornada de trabalho das mulheres, designadamente no que respeita aos recursos de suporte à infância e de prestação de cuidados;
- o envolvimento dos parceiros sociais e da oferta de EFPA no desenvolvimento de um processo de sensibilização com vista à compatibilização dos horários de trabalho e de educação e formação.

10 de julho de 2017

Ensino Superior 2015-2017: que mudanças?

Dois anos passados sobre o Projecto Pensar a Educação. Portugal 2015, de que se deu conhecimento público através de diversas iniciativas, nomeadamente a publicação dos livros Pensar Educação (*) (2015) e Pensar a Educação – temas sectoriais (**) (2016), é tempo de fazer um balanço sendo que, no que nos diz respeito, o fazemos sobre o Ensino Superior e Investigação Científica.
 
É um balanço breve, em jeito de inventário, que pretende actualizar a análise que realizámos em 2015, sobre o tema. E fazemos este balanço em quatro entradas: O que melhorou no último ano? O que piorou no último ano? Quais os problemas mais relevantes?; Que propostas para o futuro?

Assim começa o texto de Luisa Cerdeira e Belmiro Cabrito.
 
Ler mais aqui.

22 de junho de 2017

A escola tem de ser um elevador social

Nestes dias em que o ano escolar se aproxima do seu termo, vale a pena parar para pensar e reflectir sobre este artigo de Márcio Berenguer, dado a conhecer no último nº da Revista XXI da FFMS.
 
O autor leva-nos a conhecer uma escola da Madeira - a Básica 123 do Curral das Freiras cujo contexto social é descrito assim: Uma escola na zona mais pobre e isolada da Madeira, onde metade das famílias não tem internet e 92% dos alunos beneficiam de Acção Social Escolar, tem tido – consistentemente – notas superiores à média nacional. Em 2015, a Escola Básica 123 do Curral das Freiras superou-se. Teve a terceira melhor média nacional no exame de Português do 9.º ano, com 4,4 valores (o máximo é cinco) e foi a melhor escola pública do país na disciplina, num ano em que apenas três escolas públicas ficaram entre os 50 primeiros lugares.
 
O director, Joaquim Sousa, e a equipe docente acreditam que a escola tem um papel insubstituível enquanto meio de combater a desigualdade e a exclusão social. Nas suas palavras: a escola tem de ser um elevador social, como espaço promotor da igualdade e de oportunidades.
 
Para tanto é essencial colocar de facto os alunos em primeiro lugar, ir ao encontro dos seus sonhos mas também da sua realidade e saber adaptar programas e métodos, sempre com critérios de exigência máxima quanto à aquisição de conhecimento e à preparação para a vida futura.
 
Quando chegou à escola, depois do desastre do primeiro ano, Joaquim Sousa disse que ia torná-la na melhor do país. “Olhando para trás, se calhar foi pedir muito. Mas a verdade é que provámos que é possível”, diz, defendendo que o modelo implementado deve ser replicado noutros estabelecimentos de ensino. Não a papel químico, porque é preciso olhar para as características dos alunos e para o contexto social onde a escola está inserida.
 
Não é tarefa fácil, mas tem de ser possível e sê-lo-á se convictamente assumida e persistentemente cumprida.
 
É preciso colocar os alunos em primeiro lugar. Colocar mesmo. Isto não pode ser apenas uma frase”, sublinha (Joaquim Sousa), repetindo o que diz aos professores que, ano após ano, têm chegado ao Curral das Freiras. “Isto só funciona se tratarmos os miúdos da mesma forma que queremos que os outros tratem os nossos filhos”
Artigo na íntegra.