Por iniciativa da Associação
Portuguesa de Estudos sobre as Mulheres (APEM) e do Centro de Estudos das
Migrações e das Relações Interculturais (CEMRI) da Universidade Aberta, realizou-se
ontem nesta Universidade a Conferência “Género, educação e cidadania:
conhecimento, ausências e (in)visibilidades”. A Conferência serviu também de
oportunidade para o lançamento do nº 36 da Revista Ex Aequo da APEM.
Tendo recebido convite para
intervirmos nessa realização, apresentámos uma comunicação subordinada ao
título que demos a este post. Nela
procurámos desenvolver as seguintes linhas de reflexão: a dualidade das
mulheres portuguesas perante a educação e a formação; a necessidade de se
utilizarem nos estudos de género as abordagens em ciclo de vida e multiplano; a
indispensabilidade de se erradicarem de vez abordagens teóricas ultrapassadas;
e as especificidades do caso português.
Relativamente ao primeiro
daqueles aspectos, pretendemos sublinhar o facto, por vezes ignorado, de a par
das mulheres com grande peso nos níveis mais elevados de qualificação existir
também, entre a população adulta, um número muito significativo de mulheres com
muito baixas, ou nenhumas, qualificações formais: segundo o estudo Igualdade de Género em Portugal (CIG
2018), “em cada 100 pessoas sem nenhum nível de escolaridade, cerca de 70 são
mulheres”. De acordo com análise que tínhamos desenvolvido anteriormente, estas
mulheres adultas com baixas ou nenhumas qualificações sofrem uma grande
desvantagem, face aos homens, quando decidem voltar a estudar em adultas:
deparam-se em maior percentagem do que aqueles com obstáculos de natureza
pessoal (base de dados EUROSTAT), quando conseguem ultrapassá-los fazem
sobretudo aprendizagens e formações de natureza não formal e informal, com
benefícios cumulativos inferiores (Hampf e Woessmann 2017)[1], só superando os homens em
participação em educação e formação quando estão desempregadas[2].
A persistência de modelos de
divisão do trabalho com base no género que sobrecarregam as mulheres, a
diversidade de actividades e compromissos a que estas têm de fazer face, ao
longo da vida, nos diferentes planos onde têm de intervir e, ainda, a muito
maior precariedade e rotatividade a que estão sujeitas no mercado de trabalho,
são as principais razões que encontramos associadas à menor oportunidade de
prosseguir ou retomar estudos, na idade adulta, por parte das mulheres. Esta
multiplicidade de factores determina uma realidade bastante complexa que não
consegue ser convenientemente descrita pelas abordagens teóricas tradicionais,
de natureza linear e temporalmente seccionadas. A elas se contrapõem, com
grande vantagem teórica e metodológica, as abordagens multiplano em ciclo de
vida que urge conhecer, aprofundar e utilizar analiticamente.
Um outro aspecto sensível
tem a ver com o facto de, ao contrário do defendido por aquelas teorias
ultrapassadas, a educação não servir, só por si, como salvo-conduto para a
erradicação das desigualdades de ganhos entre homens e mulheres: a análise do
rendimento anual bruto de doutoradas e de doutorados a exercerem actividades de
investigação em Portugal mostra bem a existência de tais desigualdades,
sobretudo nas fases intermédias dos ciclos de vida de umas e de outros (Direcção
Geral de Estatísticas da Educação e da Ciência, DGEEC 2015). As explicações
tradicionais que pretendem atribuir aquela desigualdade de rendimentos à
concentração/segregação ocupacional de género não têm valia no que respeita à
situação portuguesa: informação recente disponibilizada pelo European Institute
for Gender Equality (EIGE), que procede a uma análise rigorosa dos índices de
segregação ocupacional e que importaria ser mais bem conhecida entre nós,
mostra bem como tais índices são agora relativamente reduzidos, em Portugal, quando comparados com
a maioria da União Europeia.
[1] Hampf, F. & Woessmann, L.
(2017). Vocational vs. General Education and Employment over the Life Cycle:
New Evidence from PIAAC. CESifo Economic Studies, Volume 63, Issue
3, 1 September 2017, Pages 255–269,https://doi.org/10.1093/cesifo/ifx012 .
[2] Chagas
Lopes, M. (2017). A educação e a formação para a população adulta numa
abordagem de género: uma questão de responsabilidade social. In Conselho
Nacional de Educação, Estado da Educação
2016.