26 de outubro de 2015

Eric Hanushek, Educação e Desenvolvimento Económico

Vem este comentário no seguimento do post de 22 de Outubro último. Referíamo-nos então aos resultados presentes no 1º Capítulo do Estado da Educação 2014 (ler aqui) e à bizarra comparação que aí se pretendeu fazer entre a evolução do crescimento económico português e a evolução dos – de alguns…- resultados escolares. Nesse capítulo sumariza-se ainda um estudo, da autoria de Hanushek & Woessmann (2015), de título Universal Basic Skills: What countries stand to gain, que nos merece o presente olhar crítico.

No discurso inaugural que hoje proferiu na Fundação Gulbenkian, no âmbito da Conferência  Educação e Desenvolvimento Económico organizada por aquela Fundação, Eric Hanushek teve oportunidade de apresentar o mesmo trabalho. A temática essencial, centrada no contexto do sistema educativo norte-americano e baseando-se na metodologia da educação comparada, é a da qualidade da educação. Nele se criticam hipóteses básicas do modelo do capital humano, como a equivalência entre conhecimentos escolares e número de anos de escolaridade, presente em muitos dos modelos econométricos que visam determinar a influência da educação no desenvolvimento económico, como o também ali proposto por Miguel St. Aubyn, por exemplo. Mas se Hanushek tem razão nesta crítica – people around the world learn different things during a same scholar year, nas suas palavras – pouco ou nada adianta ao propor como indicador de qualidade da educação o nível 1 do PISA, aliás restrito apenas à proficiência em Matemática, como se refere no Estado da Educação 2014.

Ainda mais passível de crítica, em nossa opinião, é a visão estreita que Hanushek tem do processo educativo. Como se mede a qualidade da educação? Em sua opinião, através da aferição regular do desempenho dos estudantes, em sucessivos testes e exames finais. Como deve a qualidade da educação ser promovida? Pela qualidade dos professores, o factor mais importante, como diz. E que deve entender-se por professores de qualidade? Os que reúnem experiência significativa, graus académicos adequados, preparação e profissionalização irrepreensíveis. Tudo isto a ser atestado… pelos resultados dos alunos nos testes e exames. E, naturalmente, a ser premiado, na medida do possível, por complementos monetários em função daqueles resultados, sempre na base de uma rigorosa accountability... De especial relevância se deverá revestir, acrescenta, a compensação monetária aos directores das escolas, incentivo ao seu empenhamento constante num quadro adequado de autonomia. Ainda de significativa importância é o exercício da escolha, processo através do qual os pais dos alunos premeiam as escolas boas, retirando os filhos das de má qualidade. Figurino exacto da escola norte americana; mas “importável” como receita para o sistema de ensino português? Nada mais errado.

O que dizer sobre as condições salariais, de estabilidade contratual, de formação contínua e de carreiras do pessoal docente? Qual será então o papel do currículo? Questões colocadas pela assistência, às quais acrescentamos a nossa perplexidade pela total ausência de consideração do estatuto sócio económico das famílias, do contexto de residência, da escolaridade e inserção profissional dos pais e das mães dos alunos, da capacidade efectiva de escolha que lhes possa assistir. Sendo necessário investir muito mais em educação, lançar dinheiro sobre os problemas não é suficiente, diz Hanushek.

Pois não, sobretudo quando o processo educativo é esquematizado de forma tão restritiva, posto em termos social e politicamente tão assépticos e, sobretudo, sem a preocupação de proceder à indispensável relativização histórica, cultural e social que desautoriza a imposição de receitas estranhas e ainda menos democráticas.




22 de outubro de 2015

O Estado da Educação: quando pouco ou nada há a elogiar…

Consta que em dada altura Confúcio terá dito: “Mais do que saber a resposta, preocupa-me sobretudo o entendimento da pergunta”. Não haverá por certo frase mais adequada do que esta para descrever a nossa perplexidade com a leitura do primeiro capítulo do relatório do Conselho Nacional de Educação (CNE) Estado da Educação 2014, conhecido a 16 de Outubro. Publicado anualmente, este relatório pode constituir um contributo importante para o conhecimento dos aspectos mais positivos, bem como para os problemas fundamentais da educação em Portugal, tal o manancial de informação que convoca e analisa. No entanto, tal contributo pode vir a ficar completamente diluído face a análises no mínimo polémicas e de rigor altamente duvidoso como a que o presente relatório desenvolve a propósito do tema Educação e desenvolvimento económico (1º Capítulo).

Consideremos a “questão de investigação” de partida: “A evolução dos resultados obtidos pelos alunos portugueses é melhor que a evolução do desenvolvimento do país?” (CNE 2015, pg 13). De imediato se nos coloca a seguinte dúvida: qual a pertinência de uma tal comparação, mais semelhante a um confronto de desempenhos entre duas corridas de obstáculos protagonizadas por atletas de modalidades diferentes, com itinerários não comparáveis e à custa de recursos e meios que, devendo ser solidários e concorrer para um grande objectivo comum, frequentemente concorrem entre si?

E, em seguida: como se mede aquela evolução dos resultados dos alunos? Dado que, como é referido, se constatou uma melhoria significativa nos valores (scores) obtidos em Matemática nos últimos inquéritos PISA, são estes valores, e só eles, os utilizados na análise da evolução. Note-se que se trata não mais do que indicadores de ordenação, resultantes de testes estandardizados, sem qualquer tradução em domínio de capacidades básicas e conhecimentos fundamentais dos alunos. Note-se, também, que tais pseudo indicadores nada indicam sobre outros resultados obtidos pelos alunos portugueses, como os que respeitam à persistência de elevadas taxas de retenção ou à quebra abrupta da educação e formação da população adulta, para referir apenas dois domínios em que nos encontramos muito longe, ou retrocedemos mesmo, face, por exemplo, às metas e compromissos que assumimos no âmbito do Horizonte 2020. Além do mais, conviria que a análise da série de anos estudados não fosse truncada e permitisse levar em conta que, em anos recentes, se constataram retrocessos naquele indicador de “desempenho” em Matemática… E que, desse modo, a frase “A melhoria sustentada dos resultados de Portugal posiciona o país com um olhar positivo para o futuro” (CNE 2015, pg 16) nos pareça, no mínimo, patética.

Perde-se ainda esta análise com exercícios desnecessários de clusterização estatística, de molde a poderem comparar-se países “homogéneos”, procedimento que acaba por ser substituído pela comparação única com os resultados da Polónia enquanto referência em termos educativos. E, do mesmo modo, se esforça à outrance por demonstrar que Portugal verifica os resultados de Goldin & Katz, autores destacados no relatório por terem descoberto a evolução contra cíclica do desenvolvimento económico e da evolução das qualificações… Como se grande parte dos bons resultados educativos do nosso País nesta fase recessiva, a verificarem-se efectivamente, e ao contrário de grande parte das outras sociedades europeias, nada tivessem a ver com a recuperação potencial do atraso secular da educação em Portugal.

A quem aproveita tão absurda tentativa de “dourar a pílula”, neste fim de ciclo político?


20 de outubro de 2015

Cursos vocacionais - a portaria 341/2015



Entrou em vigor a 9 de Outubro de 2015,  a portaria 341/2015 sobre ensino vocacional que põe em causa  a democratização do ensino, e representa um grave desvio à Lei de Bases do Sistema Educativo.
Apresentada como uma medida de combate ao abandono precoce da escolaridade, esta portaria traduz-se num desvio de muitos alunos para uma via de ensino desvalorizada e numa limitação efectiva do desenvolvimento futuro das crianças por ela abrangidas.
 De acordo com a portaria ” A oferta formativa de cursos vocacionais de nível Básico destina-se a alunos com pelo menos 13 anos de idade … que apresentem pelo menos uma retenção no seu percurso escolar a de nível Secundário destina-se a alunos com pelo menos 16 anos de idade “. Assim, os jovens são desviados da trajectória normal de ensino numa fase ainda muito precoce, com a agravante de coincidir com a adolescência, período no qual muitos jovens apresentam perturbações de comportamento bem conhecidas que se traduzem frequentemente em insucesso escolar.
Se pensarmos que estas perturbações de comportamento são agravadas por condições sócio económicas de privação\pobreza frequentemente associadas a ambientes familiares degradados não é difícil perceber as consequências da aplicação desta portaria no agravamento da desigualdade de oportunidades.  
Se se tiver em conta que “ A duração dos cursos do 2.º ciclo do Ensino Básico é de um ano escolar. Os do 3.º ciclo do Ensino Básico de um ou dois anos escolares, e os do Ensino Secundário de 2 anos escolares.”, e se analisar a estrutura curricular dos mesmos percebe-se que a via de ensino oferecida é uma via desvalorizada e pode tornar-se uma fonte de mão de obra barata para as empresas.
Finalmente, embora o prosseguimento de estudos, para os jovens que enveredem por estes cursos vocacionais, seja regulamentado por esta portaria, uma análise daClassificação para efeitos de prosseguimento de estudos”, permite perceber que tal prosseguimento não passará de uma miragem para a grande maioria destes jovens.  
Esta portaria constitui assim, um grave retrocesso no caminho para uma escola inclusiva consignada na Lei de Bases do Sistema Educativo e corresponde a uma clara violação do direito à igualdade de oportunidades presente na Constituição da República.
Seria pois desejável que a nova Assembleia da República saída das eleições de 4 de Outubro de 2015, debatesse as consequências da aplicação desta portaria para o futuro dos jovens e do país e se batesse pela sua revogação.

12 de outubro de 2015

Pensar a Educação – Edição em livro

A conferência Pensar a Educação. Portugal 2015, realizada em Maio último, permitiu reunir um conjunto de textos que mereciam chegar a um público mais vasto. Assim o entendeu o grupo promotor da conferência. O livro agora editado pela Educa é a concretização desse objectivo.
 
Neste volume reúnem-se os textos das apresentações iniciais do Professor António Sampaio da Nóvoa e Professor António Branco em torno do tema A educação e o seu futuro e a intervenção do Professor João Barroso a que deu o título Portugal e a Educação. Pensar para Agir. Agir pensando. O livro inclui também o documento síntese do Projecto Pensar a educação. Portugal 2015 que esteve na base da Conferência e o discurso de encerramento que constitui uma súmula de conclusões e se intitula Para uma sociedade educativa.
 
Depois de um período de campanha eleitoral, onde foi exíguo e frouxo o debate sobre a educação, não é demais sublinhar a importância de que se reveste o esforço de continuar a dar visibilidade à temática da educação e de exigir do futuro Governo e do Parlamento uma reflexão rigorosa e atenta sobre a situação presente e as suas disfuncionalidades bem como a definição de linhas de rumo que atentem aos desafios do futuro. É convicção dos promotores que o debate em torno deste livro será certamente enriquecedor para consrução de um pensamento mais esclarecido.

Como se diz na apresentação: O livro que agora oferecemos ao conhecimento público pretende contribuir para o futuro da educação em Portugal com uma proposta de reflexão que sirva de guia aos decisores políticos, professores e educadores, alunos e pais e à população em geral, para a construção de um projecto educativo de qualidade, à altura dos desafios do mundo contemporâneo, que assegure igualdade de oportunidades para todos e que sirva de base à definição e implementação das políticas públicas bem como à sua avaliação enquanto instrumento de aperfeiçoamento permanente do sistema educativo.
 
A coordenação da obra é de Manuela Silva, Belmiro Cabrito, Graça Leão Fernandes, Margarida Chagas Lopes, Maria Eduarda Ribeiro, Maria do Rosário Carneiro.