25 de maio de 2016

Pensar a Educação. Portugal 2015
Conclusão de um projecto. Novos desafios

Ao contrário do que sucedia nos finais de 2013, quando um pequeno grupo tomou a iniciativa de dar início ao projecto Pensar a Educação, em que, na comunicação social, pouco ou nada se falava acerca da educação em Portugal, hoje os meios de comunicação social, jornais, rádio e televisão, trazem diariamente notícias e artigos de opinião sobre a educação no nosso País, designadamente no que concerne ao ensino obrigatório, a escola pública, o papel do Estado, a relação entre o público e o privado. Permanece a dúvida: não estão a ser subestimadas temáticas essenciais?

Há um ano (21 Maio) realizava-se, em Lisboa, uma conferência com elevada audiência, na qual se dava a conhecer as principais conclusões do projecto acima referido que contou com 7 grupos de trabalho sobre diferentes temáticas específicas e os correspondentes seminários de debate bem como com outras intervenções relevantes, com destaque para as apresentações feitas pelos Professores António Sampaio da Nóvoa (Pensar a Educação do futuro) e António Branco (A Universidade desde o princípio).

Toda a documentação recolhida está editada em dois volumes: Pensar a Educação e Pensar a Educação- temas sectoriais. Está igualmente disponível através do blogue Educação século XXI (educacao-sec21.blogspot.pt). Com intuitos de divulgação, têm sido promovidas várias iniciativas que, certamente, terão contribuído para ir criando incentivo a que se crie um clima favorável a uma sociedade mais consciente do valor da educação, designadamente no que concerne à preparação das gerações futuras para enfrentar os desafios do desenvolvimento, do conhecimento, da coesão social e da democracia.

Congratulamo-nos com a desocultação que se vem registando no debate acerca da educação e com o interesse que recentemente vem merecendo esta temática de indiscutível oportunidade e alcance para o nosso presente e para o nosso futuro.

Sem nos desvincularmos da responsabilidade cidadã de uma presença activa no domínio do pensar a educação e sua articulação com a problemática do desenvolvimento futuro da economia e da sociedade, consideramos que devemos dar por terminada a tarefa circunscrita ao projecto, mantendo apenas activo o blogue Educação século XXI enquanto espaço de um conjunto de co-autores devidamente identificados que nele tomarão parte sob sua responsabilidade individual.

A concluir esta nota queremos, porém, deixar ainda uma observação fruto da nossa reflexão acerca dos principais temas em aberto. Fazêmo-lo em linguagem telegráfica, ao estilo de mero inventário de temáticas relevantes que exigem, quanto a nós, maior empenhamento por parte do Governo, da Assembleia da República, dos demais actores sociais e da sociedade civil em geral no seu aprofundamento, com vista à construção de uma estratégia politicamente consensualizada acerca da educação que desejamos para uma nova década.

Entre outros, destacamos os seguintes temas:
- Educação para quê? Com que objectivos? Com que matriz cultural subjacente? Com que valores primordiais?
- O modelo de escola pública: Com que tipo de gestão? Com que dimensão e proximidade? Com que autonomia?
- O estatuto do ensino privado e cooperativo e o papel do Estado
- Os riscos da municipalização anunciada.
- A diversificação dos currículos: as suas potencialidades e os seus limites. Lugar para o ensino profissional e para o ensino artístico.
- As crianças e jovens com necessidades educativas especiais.
- A educação da população adulta.
- A situação dos professores enquanto classe profissional: formação inicial e permanente; recrutamento, estatuto remuneratório e progressão na carreira; condições de trabalho e motivação.

O grupo dinamizador de Pensar a Educação exprime o seu agradecimento a todas as pessoas que colaboraram nas diferentes fases este projecto.

Maio 2016

O grupo Pensar a Educação/Economia e Sociedade 
Manuela Silva (coord.), Belmiro Cabrito, Graça Leão Fernandes, Margarida Chagas Lopes, Maria do Céu Tostão, Maria Eduarda Ribeiro, Maria do Rosário Carneiro.

4 de maio de 2016

DDAH: NEM SEMPRE A COMUNICAÇÃO SOCIAL E OS ESPECIALISTAS NOS ELUCIDAM

As posições tomadas por académicos e profissionais de saúde no que respeita à Desordem por Défice de Atenção e Hiperatividade (DDAH), designada no nosso País por “Perturbação de Hiperatividade e Défice de Atenção” (PHDA), a meu ver erradamente, como já tive a oportunidade de o afirmar num artigo intitulado “Dificuldades de aprendizagem: um caso flagrante de discriminação?” (ver www.ipodine.pt), noticiadas na comunicação social, parecem, a meu ver, prestar um desserviço, leia-se mau serviço (embora, porventura, feito com boas intenções) a todas as crianças e adolescentes que eventualmente possam sofrer desta doença. A título de exemplo, cito apenas quatro passagens dessas posições:
  •  “(…) Temos assistido a um aumento exponencial de crianças cuja solução para melhorarem o seu aproveitamento escolar é tomarem remédios. Fala-se de psicostimulantes que ajudam a criança a concentrar a sua atenção no que é importante, em lugar de a dispersar por outros temas que não constam do programa escolar (o termo deficit de atenção está contaminado pelo julgamento do que é a “boa” e a “má” atenção) (…) O certo é que, se o sintoma se manifesta na criança e na sua aprendizagem, a causa está fora dela: está, em última instância, no tipo de escola, de ensino, de conteúdos e de aprendizagem que lhe são propostos.” (Medicalização da educação, David Rodrigues, Jornal Público, 1/1/2015) 
  •  “Receio que não haja crianças hiperativas mas adultos com défices de atenção. Não estaremos a esticar, de tal forma, a vitalidade das crianças que expondo-as a um stresse cumulativo tão absurdo, só as podemos tornar agitadas para que, depois, como quem tenta concertar (consertar?) estragos a correr, as tentemos sossegar com uns aditivos químicos? Acho que sim. (Salvem o bicho-carpinteiro, Eduardo Sá, Revista Pais & Filhos, 25/4/2014). 
  •  “Agora um pouco mais a sério, sabemos todos que existem (existe?) um conjunto de problemas que podem afectar crianças e adolescentes mas, felizmente, não tantos como por vezes parece. Inquieta-me muito a ligeireza com que frequentemente são produzidos “diagnósticos” e rótulos que se colam aos miúdos, dos quais eles dificilmente se libertarão e que pela banalização da sua utilização se produza uma perigosa indiferença sobre o que se observa nos miúdos. Inquieta-me ainda a ligeireza com que muitos miúdos aparecem medicados, chamo-lhes “ritalinizados”, sem que os respectivos diagnósticos conhecidos pareçam suportar o recurso à medicação. (…) Esta matéria, avaliar e explicar o que se passa com os miúdos e adolescentes, exige um elevadíssimo padrão ético e deontológico além da óbvia competência técnica e científica.” (A ritalinização dos miúdos, José Morgado, http://atentainquietude.blogspot.pt/, 2/5/2016).
  •  Crianças consomem 5 milhões de calmantes (Alerta para a ligeireza com que se fala em hiperatividade). (…) Os dados constam do relatório de 2015 sobre a saúde mental em Portugal da Direção-Geral da Saúde e referem-se a tratamentos para a hiperatividade e défice de atenção. Milhares de crianças portuguesas, até aos 14 anos de idade, consumiram mais de cinco milhões de calmantes. (Correio da Manhã, 2/5/16; também noticiado em muitos outros órgãos de comunicação social, tal como a RTP, a SIC e o DN)
A saber, o conceito de DDAH aparece em 1980 no Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders (Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais) – DSM-III, focando essencialmente dois tipos de DDAH: O tipo “clássico” cujos sintomas principais são a desatenção, a desorganização, a impulsividade e a hiperatividade (hoje designado por “ impulsivo-hiperativo) e o tipo “desatento” cujos sintomas se prendem com a falta de atenção, distração e desorganização, não sendo nem hiperativos, nem impulsivos (hoje designado por défice de atenção). Existe ainda um outro tipo que resulta da combinação dos dois tipos anteriores, denominado “DDAH combinado”. A DDAH pode ser definida como uma desordem neurodesenvolvimental crónica caracterizada por um padrão contínuo de desatenção e/ou impulsividade-hiperatividade que vai para além do observado em indivíduos cujo desenvolvimento se efetua dentro dos padrões esperados para a sua idade, resultando em comportamentos “desajustados” quanto ao seu funcionamento académico, pessoal, familiar e social.
Quanto à sua prevalência, uma meta-análise de estudos (n=102) de crianças e adolescentes portadoras de DDAH com idades iguais ou inferiores a 18 anos, efetuada por Polanczyk e colaboradores, publicado no Jornal Americano de Psiquiatria, indicava, para a Europa, uma estimativa de cerca de 5%. Esta prevalência está mais ou menos em consonância com a considerada, em relatório publicado em 2 de Maio de 2016, pelo coordenador do Programa Nacional para a Saúde Mental, Álvaro Carvalho, se considerarmos que ele só destacou a hiperatividade “com uma prevalência média anual de três a quatro por cento”. Assim sendo, e tendo em conta que o número de alunos no nosso sistema escolar é de 1.378.755 (Pordata, 2014), então uma prevalência de 5% corresponderá a cerca de 68.938 alunos. Imagine-se agora que cada um deles tomava um comprimido de Concerta ou Ritalina LA (longa duração/12horas) ou dois comprimidos de Ritalina (de curta duração/ ação de 3 a 5 horas) por dia. O resultado oscilaria entre os 25 e os 50 milhões de comprimidos por ano. Ora, como é dito no relatório que “as crianças portuguesas até aos 14 anos consomem cinco milhões de fármacos por ano para tratar a hiperatividade e o défice de atenção”, este número corresponde à toma diária de 1 comprimido por 13.889 crianças e adolescentes (cerca de 1% de todos os alunos em idade escolar) ou, se considerarmos uma toma de 2 comprimidos, a 6.944 crianças e adolescentes (cerca de 0,5% de todos os alunos em idade escolar), percentagens muito aquém da prevalência média anual sugerida pelo coordenador do Programa Nacional para a Saúde Mental.
Embora, no que toca ao uso de fármacos, a minha posição quanto à educação e qualidade de vida das crianças e adolescentes com DDAH seja a de evitar, sempre que possível, o seu uso, uma vez que acredito que, em primeiro lugar, devem ser usadas técnicas que envolvam a “psicoterapia” (neste caso, a terapia cognitivo-comportamental), a “diferenciação pedagógica” (tendo em conta ajustamentos e adaptações curriculares e ambientais) e o envolvimento (educação) parental, reconheço que em muitas circunstâncias o recurso à medicação é necessário.
Resumindo, a resposta às necessidades das crianças e adolescentes com DDAH deve ser multidisciplinar, envolvendo, assim, psiquiatras, pedopsiquiatras ou pediatras do desenvolvimento (que devem efetuar o diagnóstico por se tratar de uma doença, prescrevendo ou não medicação, consoante os casos), psicólogos, terapeutas (ocupacionais), educadores e professores do ensino regular e de educação especial e pais (que devem elaborar programas educacionais consentâneos com as necessidades das crianças e adolescentes com DDAH).
Finalmente, e tendo presente o título deste pequeno apontamento, resta-me chamar a atenção para o que os “media” e os “especialistas” vão dizendo sobre este assunto.
Quanto aos “media”, espera-se informação mais rigorosa, dado que ao afirmarem que “milhares de crianças portuguesas (…) consumiram mais de cinco milhões de calmantes” para o tratamento da hiperatividade e défice de atenção, estão a induzir os portugueses em erro, dado que o tratamento da hiperatividade e défice de atenção é feito com fármacos, sendo os mais comuns a Ritalina e o Concerta cuja substância química é o metilfenidato, um estimulante do sistema nervoso central, ou seja, no tratamento da DDAH não se usam calmantes, mas sim estimulantes.
No que concerne aos especialistas, seria de esperar mais conhecimento, rigor científico e um tratamento muito mais sério sobre o assunto sob pena de se estar a enganar grande parte da população portuguesa e, por arrasto, a comprometer o futuro de milhares de crianças e adolescentes que, realmente, são portadoras de DDAH.
Luís de Miranda Correia
Professor Catedrático Emérito, Universidade do Minho

3 de maio de 2016

Que perfil de competências deve o cidadão do século XXI desenvolver na escola?

Já referi neste blogue a iniciativa da DGE de promover uma conferência pública para debate em torno da construção de um currículo para uma escolaridade de 12 anos que tenha na devida conta os desafios do século XXI.A mesma teve lugar no passado sábado, dia 30 abril.
 
Enquanto não temos acesso ao conjunto dos documentos produzidos e apresentados na conferência vale a pena ir chamando a atenção para alguns contributos.
 
Com a anuência da Autora, a professora Lurdes Figueira, Presidente da direção da Associação de Professores de Matemática, transcrevo as suas considerações de resposta à pergunta: Que perfil de competências deve o cidadão do século XXI desenvolver na escola?

Neste breve comentário permitam-me que distinga o ensino obrigatório básico, do ensino secundário obrigatório até aos 18 anos que inclui por isso percursos formativos diferenciados a partir da conclusão do 9º ano. Esta distinção põe de manifesto as diferentes etapas de desenvolvimento e formação que se desejam articuladas e ajustadas, tendo em vista um ensino de 12 anos de escolaridade de qualidade para todos e com todos.
 
Permitam-me pois essa diferenciação cujas características podem também ser enriquecidas e completadas à luz do Relatório para a UNESCO da Comissão Internacional sobre Educação para o século XXI, o conhecido Relatório Jacques Delors:
 
Em relação ao ensino básico
 
Ele deve ser essencialmente o mesmo para todas as crianças e jovens, evitando seleções precoces, e com incidência curricular (matérias e objetivos) suficientemente abrangente para poder desenvolver capacidades e atitudes diversificadas dos alunos e abrir-lhes portas das diferentes áreas de conhecimento e de expressão. O que é importante é desenvolver o saber, o saber fazer, o saber ser.
 
Neste sentido, as aprendizagens devem desenvolver-se de uma forma equilibrada e, nos primeiros anos de aprendizagem (1.º CEB) nenhuma área de conhecimento deve prevalecer sobre outras, sabendo que o domínio da língua materna é subjacente a toda a aprendizagem. As disciplinas diferenciadas devem aparecer de uma forma faseada e em concomitância com áreas curriculares não disciplinares que permitam experiências de interdisciplinaridade e de aplicação e consolidação de diversas aprendizagens.
 
Em relação ao ensino secundário
 
Importa reafirmar que o ensino secundário é presentemente um ciclo de ensino obrigatório mas diferenciado, com valências múltiplas e não mutuamente exclusivas. É o momento em que se realiza uma primeira escolha dos jovens que, no entanto, está longe de ser uma escolha definitiva. É por isso necessário sublinhar que este nível de ensino deve fazer sentido por si só e não pode ser visto à luz de um ciclo de pré-ensino superior, ainda que, de cursos de prosseguimento de estudos se possa tratar, como em alguns casos sucede.
 
Todos os alunos do ensino secundário, independentemente do tipo de curso que escolham, devem ter um tratamento equivalente em termos de direitos e deveres e diferenciado em termos das suas opções, num pressuposto prévio de que todos os cursos têm o mesmo nível de dignidade. No entanto, qualquer que tenha sido a opção dos alunos à entrada do ES, ela não deve impedir ou limitar, posteriores eventuais opções académicas.

Com estes pressupostos, qual deve ser o perfil que uma ou um jovem deve atingir no final do seu percurso escolar?

Em 1988, o Ministério da Educação publicou um documento intitulado Perfil Cultural Desejável do Diplomado do Ensino Secundário . Hesitei se o deveria ir buscar à prateleira, não só por ser um documento com quase trinta anos, mas também por dizer respeito a uma realidade escolar que, à época, não estava dentro do ensino obrigatório. Mesmo assim, fi-lo e surpreendi-me com a sua atualidade e pertinência, talvez por estar tão próximo da aprovação da Lei de Bases do Sistema Educativo (1986) e da grande reforma que subsequentemente se fez, assumindo assim quase um valor programático para a escola da era democrática. Neste documento as características deste Perfil são organizadas em três grandes domínios: o Perfil Sócio-moral, o Perfil Cognitivo-Cultural e o Perfil do Controlo Corporal. Para cada um destes domínios de perfil, são apresentadas várias características e, cada uma das características apontadas é desenvolvida em termos de comportamentos, aptidões e atitudes, sendo ainda apontadas práticas pedagógicas que podem favorecer a aquisição e o desenvolvimento das mesmas. Sucintamente, formar jovens autónomos, com autoestima e confiantes nas suas capacidades, respeitadores da autonomia dos outros, ativos, intervenientes e capazes de colaborar com outros; jovens que possuam uma base sólida de cultura humanística e científica, com sensibilidade, abertura e espírito crítico, capazes de se adaptar às mudanças, de interpretar e analisar a própria realidade e realidades outras, capazes de apreciar o mundo da cultura e os valores estéticos; jovens conscientes da importância do desenvolvimento saudável do seu corpo, quer no que diz respeito à condição física, quer ao controlo emocional.
 
Certamente este Perfil carece de algumas atualizações tendo em conta a época que vivemos, fortemente tecnológica, sensorial e visual, época de “tempo veloz” e constante mudança em que vivem as nossas crianças e jovens desde a mais tenra infância. Em meu entender dever-se-á também explicitar melhor as opções educativas de hoje, face a uma sociedade fortemente competitiva e “medidora”, atingindo níveis de insanidade cada vez mais disseminada, diferente do horizonte social do final dos anos 80 do século passado.
 
Definir este Perfil, é uma tarefa fortemente ideológica e tem a ver com o modelo de sociedade que queremos construir. Temos que o assumir.