Maurice Dobb, economista, “apanhou-me” quando afirmou, na
década de 1970, que os países subdesenvolvidos eram os quintais dos países
desenvolvidos. Ele, como tantos outros,
sentia e denunciava a perversidade das mais diversas teorias e modelos
económicos de ajuda aos países em desenvolvimento que o capitalismo predatório
e selvagem da época produzia. Ao mesmo tempo que os países desenvolvidos “ajudavam” os outros, garantiam a sua permanência de rapina nos
países em dificuldades. Matérias-primas capazes de fazer um país sair do
sofrimento que era/é o subdesenvolvimento eram arrecadadas a baixo custo por
aqueles que se apresentavam como salvadores.
Naturalmente, nesses países em dificuldades, nem todos
perdiam. Entre a corrupção e o nepotismo, uma pequena minoria reinante ganhava
com a venda do seu país, em detrimento de toda uma população. Do outro lado, os
políticos e as grandes corporações dos países que prestavam a sua ajuda “desinteressada”,
ganhavam toda a riqueza que, literalmente, roubavam a povos em dificuldades.
Vem-me esta reflexão, a propósito do que se passa no nosso
país com a educação e os portugueses qualificados. Portugal, detentor hoje, graças
à Revolução Democrática de Abril, de um sistema educativo que ainda mantém o
nível dos melhores do mundo, produz matéria-prima sem preço que deveria ser o
suporte e pilar do nosso desenvolvimento: indivíduos altamente qualificados,
portadores de conhecimentos, capacidades e competências que fazem a diferença.
Perdoem-me esses Portugueses e Portuguesas por os/as denominar de
matéria-prima.
Mas, pasme-se, Maurice Dobb continua a ter razão: os países
menos desenvolvidos continuam a ser o quintal dos países mais desenvolvidos,
sendo que a matéria-prima agora exportada são pessoas, portugueses altamente
qualificados. E, numa situação pior do que acontecia/acontece com os países
subdesenvolvidos, porque não se trata de níquel, ouro, diamantes ou petróleo. Trata-se
de pessoas e de toda cultura, saber e capacidades que elas detêm e que obtiveram
após longos anos de estudo e muito dinheiro gasto por Portugal e pelos
Portugueses e que Portugal oferece a “custo zero”. Vale a pena fazer as contas
para conhecer quanto Portugal perde/quanto os países ricos da OCDE ganham com
esta exportação gratuita de conhecimento. Partindo dos dados da OCDE (Education
at a Glance: OECD Indicators, 2014), uma organização insuspeita, pode concluir-se
que Portugal gastou, na produção dos seus emigrantes altamente qualificados em
2010 (últimos dados conhecidos), mais de 11,5 milhares de milhões de dólares
americanos, o que equivale, mais cêntimo menos cêntimo, ao financiamento
público de todo o ensino superior universitário e politécnico público Português,
durante dez anos.
Quer dizer, oferece-se a custo zero, aos países predadores
uma matéria-prima “sem preço”, e serão estes países a apropriar-se das
mais-valias que essa população “expulsa” do nosso país irá produzir, sem que
para tal tenham gasto um cêntimo. E falo de “expulsão” e não de “exportação”
porque as exportações, bem ou mal pagas, implicam um pagamento, uma entrada de
dinheiro no país. Tal não acontece com esta mão-de-obra altamente qualificada,
com esses Portugueses/Portuguesas que podiam fazer a diferença para o
desenvolvimento do seu país mas que vão, pelo contrário, enriquecer os
predadores. É de pasmar tal aberração. E que uma boa parte dos predadores faça
parte de uma autodenominada União que assim explora, impune e alegremente os
seus parceiros, países tornados de segunda cujos representantes se agacham
perante a arrogância e prepotência do caciquismo do capital e do mercado em vez
de se baterem em pé de igualdade, retrata bem o quanto de “mau fundo” impera
naqueles que utilizam essa União em proveito próprio. Mas, como diria a minha mãe, há anos falecida,
isso serve a alguém de cá ou, revisitando o Zeca “eles comem tudo, eles comem
tudo, e não deixam nada”. Eles comem. Só temos de descortinar o “quem” e o “como”.
Fica para uma próxima oportunidade.
Excelente, este texto do Belmiro Cabrito. Estamos de novo a expulsar o melhor de nós, como D. Manuel e o Estado Novo. E agora, não por crendice ou ideologia, mas também por razões económicas. A curto prazo, cortando nos custos e iludindo na interpretação das estatísticas do desemprego. A mais longo prazo, prevendo possivelmente um ganho mais do que proporcional: ou os agora expulsos retornam, ainda mais qualificados, gerando maior receita fiscal, o que parece cada vez menos credível; ou não o fazem de todo e, portanto, pesarão menos, mais tarde, na Segurança Social.
ResponderEliminarDe qualquer forma, parece-me que está sempre implícito o raciocínio subjacente às famosas TIR e TSR - taxas interna e social de rentabilidade, agora que o mercado de trabalho desvalorizou por completo esta - sim - mercadoria. Não podendo proceder-se por ora à realização do capital investido nacionalmente na mercadoria trabalho qualificado - Marx, pois claro - assim se contribui para a globalização desse retorno, a favor do negócio transnacional das grandes consultoras, auditoras, financeiras, seguradoras, e outras. A quem interessa tal expulsão? Alinho no grupo dos que procuram a resposta.