29 de agosto de 2015

Exportação de mão-de-obra qualificada a “custo zero”, predadores declarados e subdesenvolvimento

Maurice Dobb, economista, “apanhou-me” quando afirmou, na década de 1970, que os países subdesenvolvidos eram os quintais dos países desenvolvidos.  Ele, como tantos outros, sentia e denunciava a perversidade das mais diversas teorias e modelos económicos de ajuda aos países em desenvolvimento que o capitalismo predatório e selvagem da época produzia. Ao mesmo tempo que os países desenvolvidos  “ajudavam” os outros,  garantiam a sua permanência de rapina nos países em dificuldades. Matérias-primas capazes de fazer um país sair do sofrimento que era/é o subdesenvolvimento eram arrecadadas a baixo custo por aqueles que se apresentavam como salvadores.
Naturalmente, nesses países em dificuldades, nem todos perdiam. Entre a corrupção e o nepotismo, uma pequena minoria reinante ganhava com a venda do seu país, em detrimento de toda uma população. Do outro lado, os políticos e as grandes corporações dos países que prestavam a sua ajuda “desinteressada”, ganhavam toda a riqueza que, literalmente, roubavam a povos em dificuldades.
Vem-me esta reflexão, a propósito do que se passa no nosso país com a educação e os portugueses qualificados. Portugal, detentor hoje, graças à Revolução Democrática de Abril, de um sistema educativo que ainda mantém o nível dos melhores do mundo, produz matéria-prima sem preço que deveria ser o suporte e pilar do nosso desenvolvimento: indivíduos altamente qualificados, portadores de conhecimentos, capacidades e competências que fazem a diferença. Perdoem-me esses Portugueses e Portuguesas por os/as denominar de matéria-prima.
Mas, pasme-se, Maurice Dobb continua a ter razão: os países menos desenvolvidos continuam a ser o quintal dos países mais desenvolvidos, sendo que a matéria-prima agora exportada são pessoas, portugueses altamente qualificados. E, numa situação pior do que acontecia/acontece com os países subdesenvolvidos, porque não se trata de níquel, ouro, diamantes ou petróleo. Trata-se de pessoas e de toda cultura, saber e capacidades que elas detêm e que obtiveram após longos anos de estudo e muito dinheiro gasto por Portugal e pelos Portugueses e que Portugal oferece a “custo zero”. Vale a pena fazer as contas para conhecer quanto Portugal perde/quanto os países ricos da OCDE ganham com esta exportação gratuita de conhecimento. Partindo dos dados da OCDE (Education at a Glance: OECD Indicators, 2014), uma organização insuspeita, pode concluir-se que Portugal gastou, na produção dos seus emigrantes altamente qualificados em 2010 (últimos dados conhecidos), mais de 11,5 milhares de milhões de dólares americanos, o que equivale, mais cêntimo menos cêntimo, ao financiamento público de todo o ensino superior universitário e politécnico público Português, durante dez anos.
Quer dizer, oferece-se a custo zero, aos países predadores uma matéria-prima “sem preço”, e serão estes países a apropriar-se das mais-valias que essa população “expulsa” do nosso país irá produzir, sem que para tal tenham gasto um cêntimo. E falo de “expulsão” e não de “exportação” porque as exportações, bem ou mal pagas, implicam um pagamento, uma entrada de dinheiro no país. Tal não acontece com esta mão-de-obra altamente qualificada, com esses Portugueses/Portuguesas que podiam fazer a diferença para o desenvolvimento do seu país mas que vão, pelo contrário, enriquecer os predadores. É de pasmar tal aberração. E que uma boa parte dos predadores faça parte de uma autodenominada União que assim explora, impune e alegremente os seus parceiros, países tornados de segunda cujos representantes se agacham perante a arrogância e prepotência do caciquismo do capital e do mercado em vez de se baterem em pé de igualdade, retrata bem o quanto de “mau fundo” impera naqueles que utilizam essa União em proveito próprio.  Mas, como diria a minha mãe, há anos falecida, isso serve a alguém de cá ou, revisitando o Zeca “eles comem tudo, eles comem tudo, e não deixam nada”. Eles comem. Só temos de descortinar o “quem” e o “como”. Fica para uma próxima oportunidade.

1 comentário:

  1. Excelente, este texto do Belmiro Cabrito. Estamos de novo a expulsar o melhor de nós, como D. Manuel e o Estado Novo. E agora, não por crendice ou ideologia, mas também por razões económicas. A curto prazo, cortando nos custos e iludindo na interpretação das estatísticas do desemprego. A mais longo prazo, prevendo possivelmente um ganho mais do que proporcional: ou os agora expulsos retornam, ainda mais qualificados, gerando maior receita fiscal, o que parece cada vez menos credível; ou não o fazem de todo e, portanto, pesarão menos, mais tarde, na Segurança Social.
    De qualquer forma, parece-me que está sempre implícito o raciocínio subjacente às famosas TIR e TSR - taxas interna e social de rentabilidade, agora que o mercado de trabalho desvalorizou por completo esta - sim - mercadoria. Não podendo proceder-se por ora à realização do capital investido nacionalmente na mercadoria trabalho qualificado - Marx, pois claro - assim se contribui para a globalização desse retorno, a favor do negócio transnacional das grandes consultoras, auditoras, financeiras, seguradoras, e outras. A quem interessa tal expulsão? Alinho no grupo dos que procuram a resposta.

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