20 de agosto de 2017

Filosofia e Género – Outras narrativas sobre a tradição ocidental

Este é o título de um livro que não é só para quem se interessa por Filosofia ou por Género ou por ambos. É um livro que ajuda a entender o modo como vivemos e a persistência das causas que, apesar das leis e do discurso, ainda impedem as pessoas e as sociedades de “ver” os homens e as mulheres com a mesma dignidade social. É um livro sobre a construção da supremacia masculina que identifica “ser humano” com “homem”, contra a razão e apesar dela. É um livro sobre o poder deste preconceito, ainda hoje crença quase universal, estruturante das sociedades e da sua organização, a atravessar geografias, classes sociais, religiões e identidades de homens e mulheres. E é um livro sobre a resistência da racionalidade, através de “outras narrativas” sempre presentes na história do pensamento ocidental, mas que Fernanda Henriques desoculta, sistematiza e liberta, em nome da honestidade intelectual, da justiça e do bem-estar presente e futuro de toda a humanidade.

Com efeito, ao demonstrar que o preconceito que socialmente continua a hierarquizar homens e mulheres, menorizando estas, se fundou no abafamento e na desconsideração de muitas vozes, algumas quase desconhecidas mas todas sempre racionais, à autora parece ser possível e legítimo oferecer a mulheres e homens uma visão do passado que se constitua como um novo ‘espaço de experiência’ teórica capaz de gerar novos ‘horizontes de expectativa’, ... que não seja puramente utópica e sim bem enraizada em todos os acontecimentos passados que um certo cânone tem bloqueado e impedido.

Ou seja, depois deste livro não é mais possível ao preconceito escudar-se na tradição, porque ficou demonstrado que ela não foi unívoca mas apenas dominante. Houve, desde cedo, detratores e detratoras e muitas vítimas que deixaram rasto, a constituir legado, poder e base para a educação e a formação das pessoas, dotando-as de uma consciência crítica, cidadã e democrática, capaz de desafiar com êxito a reprodução dos mitos nefastos que originaram o sofrimento e a perda de milhões de pessoas ao longo dos tempos no mundo inteiro, e de reconstruir as sociedades à luz do reconhecimento de que mulheres e homens são duas variantes do ser humano, livres e iguais em dignidade, direitos, deveres, oportunidades e resultados no desenvolvimento e na qualidade de vida.
 
Filosofia e Género – Outras narrativas sobre a tradição ocidental vem tornar claro que à base filosófica assimétrica que recusou às mulheres um estatuto social igual ao dos homens no espaço público e aos homens um estatuto social igual ao das mulheres no espaço privado, gerando conflitos, usurpações, desequilíbrios vários e violência sistémica entre pessoas e povos, é possível contrapor, com êxito, uma base filosófica que promova a igualdade substantiva entre mulheres e homens e que, por isso, crie condições efetivas para a justiça e para a paz.

Cf.. Fernanda Henriques (2016) - Filosofia e Género – Outras narrativas sobre a tradição ocidental. Edições Colibri, Lisboa.

Maria do Céu da Cunha Rêgo

8 de agosto de 2017

Educação da População Adulta: as mulheres e os homens

No Seminário "Educação e Formação para a População Adulta", realizado pelo Conselho Nacional de Educação (CNE) na Universidade de Coimbra em 29 de Maio último, apresentámos uma breve comunicação que tinha como objectivo demarcar os perfis de aprendizagem de homens e mulheres adultos em Portugal.

Após uma breve incursão pelo confronto entre as perspectivas funcionalista e humanista deste tipo de educação, centrámo-nos nesta segunda perspectiva dada a riqueza da sua contribuição para o reforço do ciclo virtuoso educação cidadã * democracia. E, a esta luz, tentámos delinear os perfis de aprendizagem de umas e de outros.

Sendo por demais conhecido o facto de as raparigas deterem entre nós melhor prestação escolar do que os rapazes - têm taxas de abandono muito inferiores, estudam em geral até mais tarde e, igualmente de modo geral, obtêm classificações mais elevadas - pudemos constatar que este padrão de género sofre, em Portugal, alterações significativas quando em idade adulta.
 
Com efeito, as estatísticas do EUROSTAT revelam-nos que de entre a população detentora do ensino básico, os homens dos 25 aos 64 anos prosseguem mais estudos do que as mulheres do mesmo escalão etário. Mas quando se consideram apenas as actividades de aprendizagem não formais prosseguidas pela população dos 25 aos 64 anos, constata-se que em 2016 cerca de 9,7% das mulheres contra 7,5% dos homens o faziam.

Não estaremos, então, em presença dos efeitos da múltipla jornada de trabalho das mulheres que as leva a defrontar-se com maiores dificuldades face a horários e tempos de aprendizagem mais estruturados, próprios da educação formal, procurando assim as aprendizagens não formais para prosseguir estudos?

O conhecido círculo viciosos da constituição de competências - qualificações mais elevadas procuram em maior percentagem qualificar-se ainda mais...- conhece o seu reverso em situações de desemprego tecnológico, também dito de inadequação: quanto mais tempo os trabalhadores e as trabalhadoras permanecerem desempregados/as e ausentes dos mercados de trabalho em virtude da inovação tecnológica, mais se desgastam as competências que previamente adquiriram, a não ser que se providencie formação específica e adequada a estas situações. Não é necessário sublinhar a importância de que este aspecto se reveste nos nossos dias; importa talvez relembrar, no entanto, que a percentagem de mulheres portuguesas desempregadas de longa duração, independentemente dos motivos, é cerca de 20% superior à dos homens em igualdade de circunstâncias (INE, Inquérito ao Emprego, 2016). Ora os Inquéritos à Educação e Formação de Adultos (INE, 2007 e 2011) mostram à evidência a superioridade da participação das mulheres naquelas circunstâncias, face aos homens, em actividades de aprendizagem ao longo da vida.

Deparamo-nos, assim, com uma notória dissemelhança dos comportamentos por sexo: se bem que em situação de emprego as mulheres adultas acedam menos a EFPA do que os homens, quando desempregadas inverte-se a tendência; por outro lado, e ao contrário dos homens, nesta situação perante o emprego as mulheres participam predominantemente em actividades de aprendizagem não formais, confirmando a tendência que constatámos inicialmente para o total da população residente.

Assim, parecem ser de importância decisiva na correcção desta importante diferença de género, entre outras medidas:
- uma boa articulação entre as tutelas do trabalho, da educação-formação e do ensino superior, a fim de que, face a uma coordenação de objectivos e metodologias, se promova uma visão integrada das clivagens que constatámos e, especialmente, das medidas destinadas à sua superação;
- o desenvolvimento e melhoria das medidas que promovem a articulação trabalho-família, bem como das que visam apoiar a dupla jornada de trabalho das mulheres, designadamente no que respeita aos recursos de suporte à infância e de prestação de cuidados;
- o envolvimento dos parceiros sociais e da oferta de EFPA no desenvolvimento de um processo de sensibilização com vista à compatibilização dos horários de trabalho e de educação e formação.